Maranhão é coisa única. Os de lá têm cara de índio, falam e dançam à portuguesa, mas juram que são filhos de franceses.
Tudo começou quando, em 1612, a França dominou um pequeno trecho do norte da colônia portuguesa na América, e lá criaram uma cidade: São Luís, que recebeu nome de rei e santo francês. E foi pra vigiar o ataque de invasores piratas que se construíram tantos mirantes pela costa (seria esse também o motivo do nome da filiada da Globo no Estado?). O domínio francês durou pouco tempo, cerca de três anos, mas foi o suficiente pra até hoje os maranhenses levarem com orgulho essa origem. Ou talvez eles não tenham sido “tão expulsos” assim, pois ainda há muita gente com sobrenome francês por lá.
Mas o mais importante foi a colonização portuguesa. Esse norte, junto com o Pará, Piauí e parte do Amazonas, era tão diferente e distante do resto da América portuguesa, que até 1772 Portugal tinha duas colônias na América: Brasil e Grão-Pará e Maranhão.
Em São Luís há azulejos portugueses como em nenhuma outra cidade do Brasil, que reservaram essa riqueza ao interior de igrejas de muitas posses. Mas em São Luís, que deve ter sido bem rica sem ostentar ouro em suas igrejas como se fez em Minas Gerais e Bahia, ostenta-se o azulejo na frente das casas.
Além dos azulejos, é portuguesa também a dança que moças e rapazes fazem nos festejos, vestidos como se estivessem na Corte, mas em estilo tropical do século XX, pois as saias já são curtas, mas ainda assim opulentas. E foi em Alcântara (a cidade de onde saem os foguetes brasileiros) que cheguei à conclusão de que no Maranhão, a festa do Divino Espírito Santo deve ser a mais profana do Brasil. Ali, pouco se fala do “santo”. Fala-se de Imperador, Imperatriz e mordomos régios, há muita comida e luxo, relembrando as antigas festas reais portuguesas. Maranhense gosta de fuzarca, bagunça. Por isso há tanta festa por lá.
Além de festa, há muitas lendas difíceis de serem comprovadas ou contestadas. A da serpente, por exemplo. Já tinha ouvido falar que em volta da ilha de São Luís (que oficialmente se chama Ilha de Upaon-açu, e que em língua indígena significa “Ilha Grande”), dorme no rio Anil uma serpente que está crescendo. Quando sua calda encontrar sua cabeça, ela acordará e destruirá a cidade. Tudo se inverterá. O que está em baixo ficará em cima. E o contrário. Por isso, há quem diga que a serpente na verdade está protegendo a cidade. Mas descobri que ter serpente não é exclusividade de São Luís: soube de uma em Alcântara e outra em Barreirinhas. Um rapaz me disse que há outras espalhadas pelo Estado. “Está cheio de serpentes no Maranhão”.
A contribuição dos índios está na cara das pessoas. É só chegar e ver. Tem também a mandioca, a brava mesmo, da qual se tira o veneno pra fazer farinha e tapioca, tão gostosa, e ainda a tiquira, aguardente pros fortes, que até espanta pela cor que algumas trazem. Outra contribuição muito importante foi fazer mistura com as lendas sebastianistas portuguesas e criar as toadas de boi. Nas festas juninas (e durante o resto do ano), se festeja o boi no Maranhão. E são tantas as maneiras de se cantar e dançar, que o boi tem vários “sotaques”: da baixada, matraca, zabumba, orquestra, costa de mão. Cada sotaque tem um instrumento especial, que dá corpo ao canto do “batalhão”. E a festa do boi traz também vaqueiros, índios e espíritos, como o cazumbá, um “cadeirudo” que assusta Pai Francisco quando vai roubar o boi pra pegar sua língua. Cazumbá não é homem, nem mulher, nem gente, nem animal. É espírito da floresta que tem cara de monstro, e às vezes carrega na cabeça uma casa, igreja ou loja de CD.
Há outros espíritos no Maranhão. Lá estão algumas das mais importantes casas de Candomblé jeje do Brasil. Talvez tenha sido tão difundido naquelas terras por ter tido negros que resistiram à escravidão em tantos quilombos. Às vezes, a resistência parece ser silenciosa ou silenciada. Mas hoje há os esperançosos por mudanças, como se tivesse acabado agora a era dos senhores e coronéis.
O nome do Estado, por sua vez, dizem ter vindo do português mesmo. Alguns falam que seria pelo emaranhado de rios, que sobem e descem diariamente com uma vazante surpreendente (sem falar do tanto de lagoas, que secam e “brotam” todo ano, e que abrigam peixes trazidos misteriosamente por aves durante a cheia). Outros dizem que o nome veio de “Maranhos”, do português arcaico, e significa “grande mentira”. Foi Padre Antônio Vieira que em 1654 expôs sua perplexidade sobre o modo como as notícias corriam por lá: “Estive considerando comigo que verdades vos diria e segundo as notícias que vou tendo desta nossa terra, resolvi-me a vos dizer uma só verdade. Mas que verdade será esta? Não gastemos tempo. A verdade que vos digo é que no Maranhão não há verdade”*.
Sandra Oliveira
*Sermão da quinta dominga da quaresma, do Padre Antônio Vieira.